N inguém sabe ao certo o ano, mas o dia era o dia de Natal e o local era Izmit, na Turquia.

Ninguém sabe o número exato de fiéis que pereceram nas igrejas em chamas, mas foram muitos milhares.

Durante algumas décadas (286-330 d.C.), Izmit, então chamada Nicomédia, foi a cidade mais importante do Império Romano. Durante esse período, ela também se tornou, por um tempo, o cenário de intensa perseguição anticristã. A tradição registra que 20.000 Cristãos de Nicomédia foram martirizados.

Logo depois que Diocleciano se tornou imperador em 284, ele dividiu o vasto e pesado império em duas metades: leste e oeste. Ele mesmo governou a metade oriental, com Nicomédia como sua capital e Galério como imperador júnior (para ajudá-lo e, mais tarde, assumir a posição de imperador sênior). A metade ocidental era governada a partir de Roma por outro par de imperadores sênior e júnior.

A fé Cristã estava florescendo em Nicomédia e, no início do século IV, dizia-se que metade da população da cidade era Cristã. Muitos na casa do imperador eram crentes, o que, inicialmente, não era um problema. Diocleciano, embora adorador dos deuses Romanos, tinha uma inclinação bastante favorável aos Cristãos. Mais tarde, porém, ele foi persuadido, especialmente por Galério, a começar a perseguir os Cristãos. 

Os éditos do Imperador Diocleciano

Aparentemente, Diocleciano, a princípio, esperava poder reprimir o Cristianismo sem derramamento de sangue, por exemplo, expurgando os Cristãos da casa imperial e do exército.

Mas logo as coisas pioraram muito. Em um período de aproximadamente um ano, começando em 24 de fevereiro de 303, Diocleciano emitiu quatro éditos para a supressão do Cristianismo. O primeiro proibia os Cristãos de se reunirem para adoração e decretava que as Escrituras Cristãs deveriam ser queimadas e os edifícios das igrejas destruídos. Os Cristãos no serviço público foram rebaixados e privados de seus direitos civis. Os Cristãos libertos foram transformados em escravos novamente, o que significava que poderiam ser legalmente torturados. No dia anterior à publicação desse édito, Diocleciano havia ordenado que o prédio de uma igreja em Nicomédia, perto do palácio imperial, fosse destruído e suas Escrituras queimadas.

Imperador Diocleciano [Crédito da imagem: Dennis Jarvis, flickr]

Nenhuma penalidade foi mencionada no primeiro édito, de modo que os magistrados locais podiam ser tão severos ou lenientes quanto quisessem ao punir os transgressores. Os éditos posteriores tornaram-se gradualmente mais específicos e severos. O segundo édito ordenou que os líderes da igreja fossem presos. Logo as prisões estavam tão cheias de clérigos Cristãos que não havia espaço para criminosos comuns.  No final do ano, um terceiro édito ofereceu aos prisioneiros a liberdade se eles sacrificassem aos deuses Romanos, porém tortura e mutilação se eles se recusassem. O quarto édito (início de 304) determinou que todos deveriam sacrificar aos deuses Romanos. A punição para aqueles que se recusassem era a morte e o confisco de suas propriedades.

Foi nesse contexto, conhecido como “a Grande Perseguição”, que inúmeros Nicomedianos morreram por Cristo. 

“Não deveríamos dar nossa vida por Ele neste lugar santo?”

À medida que a Grande Perseguição prosseguia, os Cristãos eram diariamente presos, torturados e executados de várias formas cruéis. A pedido de seu rebanho, Antimo, bispo de Nicomédia, escondeu-se em um vilarejo próximo. Dali, ele continuou a encorajar os Cristãos que permaneciam na cidade, enviando mensagens escritas que os incentivavam a permanecer firmes na fé.   

Em um Natal, muitos milhares de Cristãos de Nicomédia foram queimados vivos nas igrejas onde haviam se reunido em grande número para celebrar o nascimento de Cristo. Por ordem imperial, o exército empilhou madeira e gravetos ao redor das paredes da igreja e montou um altar para os deuses Romanos do lado de fora da porta. Os Cristãos foram ordenados a sacrificar aos deuses Romanos quando saíssem do prédio, ou permaneceriam dentro e seriam queimados vivos. Soldados com espadas em punho estavam prontos para lidar com qualquer um que tentasse escapar. Milhares pereceram, cantando, nas chamas.

Um líder corajoso de uma igreja pediu à congregação que se lembrasse de Sadraque, Mesaque e Abednego, os jovens que foram jogados em uma fornalha ardente na Babilônia exatamente pelo mesmo problema enfrentado pelos Nicomedianos, ou seja, recusar-se a adorar um ídolo (Daniel 3.1-27). Ele continuou:

Agora, um novo Nabucodonosor, não menos cruel ou ímpio do que o antigo, prepara uma fornalha para nós, portanto, vamos imitar a eles. Eles eram apenas crianças, apenas três em número, sem exemplos de bravura a serem imitados na luta pelo Senhor. Mas nós somos uma multidão enorme, e muitos de nós já chegaram à velhice. Além disso, temos inúmeros modelos de sofrimento corajoso por Cristo para nos inspirar. Que o amor por esta existência passageira não nos transforme em covardes chorões! Que nunca prefiramos a vida presente a Deus, que nos criou e passou pela morte na carne por nossa causa! Verdadeiramente, seria uma pena se não compreendêssemos que o iminente desafio é uma oportunidade maravilhosa para provarmos nossa fé inabalável. 

Isso é verdade, mesmo que não houvesse recompensa alguma pelos sofrimentos suportados por Cristo. Mas quão insignificante é a dor infligida pelos atormentadores em comparação com a recompensa que aguarda os mártires além da sepultura! É de se admirar que os santos estejam ansiosos para trocar alguns dias ou anos aqui pela felicidade eterna; a estima transitória dos homens pela glória eterna, riquezas que não podem ser tiradas e alegria sem fim? O que nos prende à Terra? Por que não nos apressamos em morrer por Cristo e ganhar o reino celestial, enquanto temos a chance?

 

“Mas quão insignificante é a dor infligida pelos atormentadores em comparação com a recompensa que aguarda os mártires além da sepultura!”

 

Ele também os lembrou de que a Santa Ceia, conforme celebrada na Igreja, comemorava o sacrifício do Senhor por eles, portanto, “não deveríamos dar nossa vida por Ele neste lugar santo?”

A congregação respondeu com um grito: “Somos Cristãos! Somos Cristãos e nos recusamos a adorar seus falsos deuses, ó Imperador!”

Eles foram cheios de grande zelo por morrer por Cristo. E morreram, pois não foram libertados das chamas como Sadraque, Mesaque e Abednego. Talvez eles tenham dito aos soldados Romanos as mesmas palavras de fé e coragem que Sadraque, Mesaque e Abednego usaram para o rei Nabucodonosor: “Se formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das suas mãos, ó rei. Mas, se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos seus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer.” (Daniel 3.17-18)

Deus, em Sua sabedoria soberana, escolheu não salvar os Nicomedianos das chamas, mas conceder a eles a dádiva pela qual ansiavam - morrer por Cristo.

Antimo, Teófilo e prisoneiros Cristãos

Enquanto isso, o Bispo Antimo estava enviando cartas aos Cristãos em Nicomédia, especialmente aos que estavam na prisão. Certa vez, um diácono chamado Teófilo foi pego levando uma dessas cartas. O imperador enfurecido ordenou que alguns dos Cristãos presos fossem levados à sua presença, onde ele os repreendeu severamente e depois entregou a carta. Os Cristãos perceberam que Teófilo estava a certa distância e sorriram afetuosamente para ele. Isso fez com que o imperador voltasse sua ira contra Teófilo, exigindo saber quem era o autor da carta. Teófilo respondeu corajosamente quem era, mas disse que jamais trairia o bispo revelando sua localização. O bispo estava pastoreando seu rebanho por meio de cartas, disse Teófilo, e os estava encorajando com as palavras ditas pelo Pastor preeminente: “E não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mateus 10.28, BKJ).

Por causa dessa fala, Teófilo teve sua língua cortada. Depois, ele e os outros foram mortos.

As tropas saíram em busca de Antimo. Eles o encontraram, mas não o reconheceram. Prometendo mostrar o bispo que procuravam, Antimo os alimentou como seus convidados e depois revelou sua identidade. Os soldados surpresos se ofereceram para informar que não haviam conseguido encontrar Antimo, mas o bispo insistiu em voltar com eles para Nicomédia. No caminho, ele compartilhou o Evangelho e os soldados se converteram e foram batizados. Antimo foi decapitado.

Depois de Diocleciano

Na metade ocidental do império, onde os éditos nunca foram aplicados com muito rigor, a perseguição cessou completamente quando Diocleciano abdicou em 305 devido a problemas de saúde. Galério assumiu seu lugar como imperador sênior no leste e continuou a aplicar duramente os quatro éditos de Diocleciano, acrescentando um quinto em 308. Isso incluía a ordem de que tudo o que fosse vendido nos mercados deveria ser borrifado com oferendas feitas aos deuses, sendo assim contaminado aos olhos dos Cristãos. O objetivo era, sem dúvida, matar os Cristãos de fome, embora Galério, em geral, parecesse preferir que eles fossem queimados vivos.

Parece que, às vezes, havia muitos Cristãos para matar, então eles eram mutilados.  Por volta de 309, um grupo de 97 Cristãos Egípcios - homens, mulheres e crianças - foi enviado para as minas de cobre na Palestina, que estava sob o domínio de um governador excepcionalmente cruel chamado Firmillianus. Cada um dos 97 teve seu olho direito cegado por espada e fogo e a perna esquerda incapacitada por ferros quentes. A mesma punição foi infligida a outros Cristãos, incluindo um grupo “na cidade de Gaza, que tinha o hábito de se reunir para orar e ler constantemente as Sagradas Escrituras”. 1

Em seu doloroso, fétido e repugnante leito de morte, Galério emitiu mais um édito. Desta vez, foi um édito de tolerância (30 de abril de 311), revertendo os éditos anteriores. Poucos dias depois, ele morreu.

No entanto, a Grande Perseguição não parou. Galério foi sucedido por Maximino, que se recusou a assinar o édito de tolerância de Galério. Parece, contudo, que Maximino deve ter indicado que o grau de pressão exercido sobre os Cristãos poderia ser decidido localmente. Milhares de Cristãos foram libertados das minas e do exílio e, em alguns lugares, novas igrejas foram construídas e as que estavam em ruínas foram restauradas. Mas em Tiro o conselho municipal colocou uma placa proibindo o Cristianismo dentro da cidade e em Nicomédia os cidadãos imploraram a Maximino permissão para banir os Cristãos. Os martírios continuaram.

A Grande Perseguição finalmente chegou ao fim em 313, quando o imperador Maximino foi derrotado em uma batalha.

TA história dos mártires de Nicomédia aparece no livro  (em Inglês) de Patrick Sookhdeo com 366 leituras devocionais diárias sobre os mártires Cristãos, Heróis da Nossa Fé Vol. 2.  (Isaac Publishing, 2021, ISBN 978-1-952450-15-0) Veja o texto de 25 de dezembro. Para adquirir uma cópia, acesse: barnabasaid.org/resources/books ou entre em contato com o escritório do Ajuda Barnabas Brasil pelo telefones (41) 4042 9623/ (43) 99958 9537 WhatsApp ou escreva para:  
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1 Eusébio, bispo de Cesaréia, na Palestina, viveu de 260 a 339, aproximadamente. Essa descrição e citação foram extraídas de seu livro History of the Martyrs in Palestine (História dos Mártires na Palestina), editado e traduzido por William Cureton (publicado em Londres e Edimburgo por Williams e Norgate, 1861). Veja as páginas 26-28.

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